Quanto valem as palavras?

Ana Paes
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Há dias em que me faltam as palavras exactas para definir algumas situações.

Hoje precisei de uma palavra que substituísse “partilha” mas, que no fundo significasse efectivamente “partilha”.

Quando dividimos a sandes que levamos para o lanche com o nosso colega e cuidadosamente a cortamos ao meio (caso já não esteja cortada), estamos sem dúvida a partilhar. Assim como, quando oferecemos uma peça de fruta, porque já estamos satisfeitos ou contamos satisfazer a nossa fome mal cheguemos a casa, estamos efectivamente a partilhar. Não tenho qualquer dúvida.

Mas que nome dar quando dividimos uma sandes por sete pedaços cortados grotescamente com as nossas mãos e ficamos com a parte mais pequena? Que nome dar quando dividimos um iogurte por sete mãos que se esticam à nossa frente para que consigam ter acesso a uma réstia desse iogurte? Partilha, dirão. Não tenho qualquer dúvida disso. Mas há dias em que me apetecia ter a capacidade de inventar palavras novas, quando as que reconheço e aplico não me parecem suficientes para descrever algumas situações.

A outra palavra que me faltou foi uma que substituísse “solidariedade”. Não que a substituísse efectivamente por outra, mas faltou-me encontrar uma outra que especificasse um pouco melhor essa vivência.

Quando oferecemos a nossa casa para algum familiar ou amigo que dela necessite temporariamente, estamos a ser solidários com a situação desse amigo ou familiar. E quando albergamos todos os familiares que necessitem? Quando compramos ou alugamos uma casa a pensar nos que podem vir a necessitar, que nome damos?  Não me refiro àquela pessoa que pensa e age assim, falo duma comunidade que pensa e age assim. Como classificar? Família?

Hoje deparei-me com algumas situações que me fizeram duvidar do uso que dou a cada uma das palavras que conheço e como as utilizo para definir algumas situações ou pessoas.

Queria inventar palavras novas que me permitissem definir a mim mesma como uma pessoa solidária, que partilha e ajuda, amiga da sua família, sem me sentir demasiado pequenina perante aqueles que o fazem numa dimensão que não consigo definir nem descrever.

Bem hajam por existirem e por me fazerem duvidar e relativizar o que considerava qualidades . Não duvido que sejam, só relativizo a sua dimensão perante tamanha simplicidade de partilha e conceito de solidariedade e sacrifício perante aqueles a quem um dia aprendemos a chamar de família.

Dizem que África nos muda e transforma. Talvez. Ainda não sei o suficiente para confirmar. Mas que nos obriga a ver o mundo de outra maneira e nos permite simplificar o que tanto complicamos, sem dúvida que sim.

Por aqui as palavras ganham um outro significado e vida. Por aqui inventam-se conceitos, descobrem-se preconceitos e fazem-nos duvidar.

Ana Paes

"Coração maior, gosta das manhãs. Irrita-se com a incompetência, mas dedica a sua vida a acabar com ela. Tira, dos sorrisos das crianças, a força que a faz levar tudo à frente. Correcta, honesta, franca, de sorriso fácil. Quem a conquista, jamais a perderá." - SUSANA DINIZ Ana Paes é educadora de infância e professora de música. Escreve também aqui: Os filhos dos outros

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